José Miguel Sardica, professor da Universidade Católica Portuguesa, publicou na edição do Página 1 de ontem um artigo, intitulado "O Estado-eucalipto", que acho que vale a pena ler:
"Um dos “presentes” que o Governo deixou no “sapatinho” da Presidência este Natal é a lei que prevê a extinção de quase uma centena de contratos de associação (alguns com mais de 30 anos) celebrados com colégios privados, que recebiam ajudas financeiras estatais por suprirem carências da rede escolar pública em muitas zonas do país. Já inscrito no Orçamento de 2011 está o corte de 70 milhões de euros que determina o fim de muitos desses contratos ou, pelo menos,reduções de 20% a 30% do financiamento plurianual até agora dado à oferta escolar privada pelo serviço público que esta (também) prestava. Se a iniciativa legal passar, os orçamentos destes colégios sofrerão cortes drásticos, obrigando-os a fechar portas ou a introduzir/aumentar as propinas, em áreas de implantação geográfica onde – este é o pormenor decisivo – não há oferta escolar pública alternativa. Vou fingir que acredito que o fim do fi nanciamento desta oferta escolar privada é exclusivamente ditado pela crise vigente. Em vez dos actuais 120 mil euros por turma/ano gastos pelo Estado nestes contratos associativos a despesa poderia reduzir-se a uns 80 mil. O problema é que este valor fica, na maioria dos casos, abaixo do limiar de subsistência das escolas, o que comprometeria a viabilidade de muitas delas. O que quer então o Governo para poupar 70 milhões de euros: deixar muitas zonas do país, já de si pobres, sem escola? Ou gastar muito mais do que 70 milhões a construir de raiz escolas públicas para substituir as privadas que asfi xiou? E nem assim pouparia dado que, de acordo com a OCDE, cada aluno do ensino público custa ao Estado uns 5.200 euros/ano, enquanto o colega do privado custa 4.500 euros/ano. Como do ponto de vista económico a medida não se justifica, é muito possível que as suas razões sejam outras. O socialismo não gosta da iniciativa privada, e o socialismo português, na sua mais recente versão que olha para a sociedade civil como um perigoso campo de recrutamento de neo-liberais, gosta ainda menos.Um ensino estatizado, ou estatizante, é um ensino onde desaparece a liberdade de escolha e a concorrência saudável de projectos educativos, que neste caso até estimula as escolas públicas – que também as há muito boas e indispensáveis – a procurarem a excelência nos seus professores, pedagogias e alunos. Não há como não lembrar que as melhores escolas dos rankings educativos são privadas e que, prejudicandoas, o Estado está a castigar, e não a premiar, o mérito e o esforço. Esta medida, se passar, perpetua um traço negativo de muita da cultura política portuguesa que em certa esquerda, como no passado em certa direita, acha que os portugueses não devem existir fora dos tentáculos do Estado controlador, vigilante e paternalista. É a quadratura do círculo: o Governo insiste em ser quase monopolista onde não o deveria ser alegando que os privados não chegam ou não servem; mas a sociedade civil nunca chegará ou servirá de contraponto vitalista ao Estado enquanto o Governo não a deixar respirar. Na educação, como noutros domínios, o Estado português, pobre mas centralista, desorganizado, mas invasivo, não sabe o que é a subsidiariedade. Sobre a cidadania democrática e participativa, tem assim o mesmo efeito que os eucaliptos sobre os solos: seca tudo à sua volta."
Nota: a foto que ilustra este post é de alunos do Externato de Penafirme que, no passado mês de Novembro, se manifestaram contra a situação relatada no artigo, que atinge também a sua escola.
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