terça-feira, 29 de setembro de 2020

"Só eu Sinto Bater-lhe o Coração"

Foram uma das minhas leituras de adolescência...os Diários de Miguel Torga.                                 

E foi lá que encontrei este "Só eu Sinto Bater-lhe o Coração", com que hoje assinalo o dia mundial desse órgão vital que nos bate dentro do peito e cujo simbolismo ultrapassa largamente a sua fisicalidade...

 

 Dorme a vida a meu lado, mas eu velo.
(Alguém há-de guardar este tesoiro!)
E, como dorme, afago-lhe o cabelo,
Que mesmo adormecido é fino e loiro.

Só eu sinto bater-lhe o coração,
Vejo que sonha, que sorri, que vive;
Só eu tenho por ela esta paixão
Como nunca hei-de ter e nunca tive.

E logo talvez já nem reconheça
Quem zelou esta flor do seu cansaço...
Mas que o dia amanheça
E cubra de poesia o seu regaço!



segunda-feira, 28 de setembro de 2020

O Cante...

Embora não tivesse visto todo o programa, ontem lá calhou ver as três últimas "provas cegas" desta temporada do "The Voice Portugal"...e que provas, senhores!!!

Das três, permito-me destacar a do Luís Trigacheiro, apelido a denunciar a origem alentejana. 

[Parênteses para confessar que tenho um fraquinho pelo Alentejo: pela amplitude da paisagem, pelo casario branco de barras coloridas, pelo ritmo lento e o gosto pelas tertúlias, pela comida e pela bebida...e pelo Cante.]

E foi o Cante que o Luís trouxe ao palco do "The Voice"...concretamente a moda "As mondadeiras".  E foi de arrepiar!!! 

Então quando ele ergue a voz aos 00h38 não há quem resista. Comprovem...

 

Vale a pena ouvir, já agora, as observações dos mentores, todos eles...destaque naturalmente para as de Marisa Liz (a partir dos 03:55), a realçar a importância da Cultura e da Arte na Identidade de um Povo. E que orgulho é ter o Cante Alentejano como Património Imaterial da Humanidade...

Fiquem com a moda completa (e cantem-na...que "Quem canta, seus males espanta!"):

Eu aprendi a cantar
Lavrando em terra molhada
Lá na solidão dos campos
Pensando em ti, minha amada

Quantas papoilas se avistam
Além naqueles trigais
Tantas como beijos deram
Mondadeiras e zagais

As mondadeiras cantando
Suas penas, seus amores
Não cantam, estão rezando
Num altar cheio de flores

Num altar cheio de flores
Cada uma é um desejo
Os anjinhos são pastores
A capela o Alentejo.

Seara, verde seara
Mondada com tanto gosto
És verde na primavera
E loura no mês de agosto
.

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Rotina

"Passamos pelas coisas sem as ver,

gastos, como animais envelhecidos:

se alguém chama por nós não respondemos,

se alguém nos pede amor não estremecemos,

como frutos de sombra sem sabor,

vamos caindo ao chão, apodrecidos."


Chama-se ROTINA este pequeno poema de Eugénio de Andrade. 

Foi a minha escolha hoje porque estes últimos dias de setembro, princípios de outubro, são sempre vistos como um "regresso à rotina"! Ainda que este ano a rotina seja outra - ou pelo menos com outras contingências- importa refletir sobre este conceito: será a rotina uma coisa boa ou algo que nos é imposto? Será que a rotina nos "mata" aos poucos? Desde sempre precisamos de rotinas...é certo! E, por vezes, sentimo-nos desorientados com a falta dela. Mas quem é que não gosta de, quando em vez, escapar à rotina dos dias?

Que ela exista com suas coisas boas (que as tem) mas que não nos roube a capacidade de encantamento, de espanto, de questionamento, de criação, de renovação...