segunda-feira, 3 de junho de 2013

Poema e Prémio II

Em 2011 escrevi este post. Hoje volto à poesia de Mia Couto porque, apesar desta ser uma das suas facetas menos conhecidas enquanto escritor, foi pelo conjunto da sua obra - romance, poesia, crónicas...- que venceu recentemente o Prémio Camões :)

O BAIRRO DA MINHA INFÂNCIA

Não são as criaturas que morrem.
É o inverso:

só morrem as coisas.

As criaturas não morrem

porque a si mesmas se fazem.


E quem de si nasce

à eternidade se condena.


Uma poeira de túmulo

me sufoca o passado

sempre que visito o meu velho bairro.


A casa morreu

no lugar onde nasci:

a minha infância

não tem mais onde dormir.


Mas eis que,

de um qualquer pátio,

me chegam silvestres risos

de meninos brincando.


Riem e soletram

as mesmas folias

com que já fui soberano

de castelos e quimeras.

Volto a tocar a parede fria

e sinto em mim o pulso

de quem para sempre vive.


A morte

é o impossível abraço da água.

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