terça-feira, 11 de outubro de 2011

Poema e prémio II

Continua a apetecer-me partilhar poesia e hoje escolhi José Luís Peixoto e um texto do seu mais recente livro de poemas -Gaveta de papéis- publicado pela Quetzal, e premiado com o Prémio Daniel Faria 2008. É um poema que fala de cansaço, morte, nostalgia, renovação, tempo e esperança...palavras carregadas de significado, que têm andado a cirandar muito cá por dentro nos últimos dias! A culpa é do outono...mas não só...

"Quando me cansei de mentir a mim próprio,
comecei a escrever um livro de poesia.

Foi há duas horas que decidi, mas foi há muito
mais tempo que comecei a cansar-me. O cansaço
é uma pele gradual como o outono. Pausa.

Pousa devagar sobre a carne, como as folhas
sobre a terra, e atravessa-a até aos ossos,
como as folhas atravessam a terra e tocam
os mortos e tornam-se férteis a seu lado.

A cidade continua nas ruas, as raparigas riem,
mas há um segredo que fermenta no silêncio.
São as palavras, livres, os livros por escrever,
aquilo que virá com as estações futuras.

Há sempre esperança no fundo das avenidas.
Mas há poças de água nos passeios. Há frio,
há cansaço, há duas horas que decidi, outono.

E o meu corpo não quer mentir, e aquilo que
não é o meu corpo, o tempo,sabe que
tenho muitos poemas para escrever.

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