quarta-feira, 25 de maio de 2011

Será, ou não, cansaço?

Há alturas em que sentimos um cansaço generalizado: é o corpo que nos pesa, a cabeça que teima em vaguear algures por aí, uma vontade imensa de dormir ou -paradoxalmente-de sair daqui, para viver de forma intensa tudo aquilo que não nos é dado viver no ram-ram do nosso dia-a-dia...Se calhar é apenas necessidade de uns dias de férias...se calhar não! Confesso: é cansaço...mas não sei bem de quê! Talvez por isso, hoje tenha ido à procura de Pessoa...

Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...

Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Com tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço porquê?
É uma sensação abstracta
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...

Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.

(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)

Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...
(in Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944, imp. 1993).
Imagem: aguarela de Ana Tarouca

2 comentários:

Sara disse...

Numa outra versão, não menos bela...

"O que há em mim é sobretudo cansaço

O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço..."

Alberto Caeiro

Beijos

ângela m. disse...

Pois é Sara! Também conhecia esta "abordagem" mas, digamos que, a minha pessoa hoje está mais em modo "Álvaro de Campos" que "Alberto Caeiro" ;) Mas, como dizes,esta versão é igualmente bela e, assim, os leitores ficam a conhecer ambas! Beijos.