 A propósito da mudança da hora, que ocorre já na madrugada do próximo Domingo, dia 25 -devemos atrasar o relógio 60 minutos- deixo aqui um excerto de "Passagem das horas" de Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa. Quem quiser ler o poema na íntegra pode clicar aqui.
A propósito da mudança da hora, que ocorre já na madrugada do próximo Domingo, dia 25 -devemos atrasar o relógio 60 minutos- deixo aqui um excerto de "Passagem das horas" de Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa. Quem quiser ler o poema na íntegra pode clicar aqui. 
"Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio, 
todos os lugares onde estive, 
Todos os portos a que cheguei, 
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias, 
Ou de tombadilhos, sonhando, 
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero. 
(...)
 Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se a vida é pouco ou demais para mim. Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei 
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência, 
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque 
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos, 
Ou se há outra significação para isto mais cómoda e feliz. 
(...)
Vi todas as coisas, e maravilhei-me de tudo, 
Mas tudo ou sobrou ou foi pouco - não sei qual - e eu sofri. 
Vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos, 
E fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse. 
Amei e odiei como toda gente, 
Mas para toda a gente isso foi normal e instintivo, 
E para mim foi sempre a excepção, o choque, a válvula, o espasmo. 
(...)
Multipliquei-me, para me sentir, 
Para me sentir, precisei sentir tudo, 
Transbordei, não fiz senão extravasar-me, 
Despi-me, entreguei-rne, 
E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente(...)"
Desenho de Júlio Pomar