Meu querido amigo...
a notícia da tua partida chegou-me a meio da manhã de terça-feira, inesperada apesar de expectável!
Naquele dia não consegui alinhar os meus sentimentos para escrever umas linhas que te fizessem jus...e fiquei a dever-te estas palavras.
Sabia-te muito doente, mas a verdade é que -sobretudo quando toca àquelas pessoas de quem gostamos muito-acreditamos sempre até à última hora que o diagnóstico possa ser reversível ou, pelo menos, que o fim possa ser adiado o mais possível!
Não foi assim contigo e, no dia do teu funeral, houve quem (para me consolar) lembrasse que talvez tivesse sido melhor assim...sem mais sofrimento, despediste-te da vida durante o sono.
Nos 65 anos de vida que te couberam em sorte não andaste, porém, "a dormir". Prova disso é todo o legado que deixas, todos os cargos e missões que abraçaste ao longo da vida e que fazem do teu currículo um rol impressionante de experiências e competências...e sobre essas não vou falar, porque há já quem o tenha feito melhor do que eu. Não duvido que quisesses andar por cá muitos mais anos - afinal, eras um amante da VIDA- mas sei que, apesar de curta para os nossos critérios, a tua passagem por aqui foi intensa e que, à semelhança de Neruda, não terias pejo em afirmar: "Confesso que vivi!"
Pela parte que me toca, resta-me agradecer o privilégio de te ter conhecido, de teres sido meu amigo, de tantas conversas e momentos partilhados...a nossa cumplicidade, a forma como gostávamos genuinamente um do outro!
Já tenho dado por mim a pensar em que momento nos cruzámos e ficámos amigos...e não sei precisar o dia nem a hora: só sei que em outubro de 1998 já tu fazias parte do grupo de dizedores das muitas sessões de poesia promovidas no âmbito do meu trabalho, na Biblioteca.
E que em setembro de 2020 não te fizeste rogado em participar no vídeo-recital "Liberdade sitiada, liberdade celebrada" realizado no âmbito da Rede Cultura 2027, dando-me (mais uma vez) a mão na tarefa de congregar pessoas em torno da poesia.
Entre as duas fotos que ilustram este post (e fazem memória desses dois momentos) passaram-se 22 anos...em que tu estiveste sempre que possível: de mão na anca ou no joelho, de polegar e indicador unidos (um gesto que te era tão característico) ou de dedo apontado ao futuro...mas sempre com a tua voz poderosa e a tua forma peculiar e sentida de dizer as palavras dos outros: do "Cântico Negro" do Régio, ao "Pelo sonho é que vamos" do Sebastião da Gama, do "Adeus" do Eugénio ao "Até logo" do Borges Coelho, passando pelo incontornável Ary e o seu "Isto vai meus amigos, isto vai" (só para citar alguns).
Ainda a propósito de poesia, marcou-me para sempre a dedicatória que me fizeste aquando do lançamento do teu livro Apontamento à margem: disseste que eu tinha "voz de poesia"...e há lá elogio mais bonito que este, quando se tem (como nós temos) esta paixão pela arte da palavra escrita e dita?
Por falar em palavras, deste-me mais recentemente a honra de prefaciar o teu Face to Face...Book. Nele, elogiei-te o sentido de humor, a cultura geral, os trocadilhos com as palavras, a capacidade de expressar através dos teus escritos, quase diários, no FB, as inquietações, os pensamentos, as memórias, as histórias de tantos e tantas que te liam. E que saudades vamos todos sentir dessas leituras...
Defini-te ainda como "homem de afectos, emoções e solidariedade"...e essa era, realmente, a tua marca distintiva: não temeres expressar o que te ia no coração, na mente e na alma...sem rodeios nem adiamentos!"Não deixar para amanhã o que se pode fazer hoje!", sobretudo quando se trata de afetos, da vida das pessoas, do cuidado que devemos a quem gostamos. Foi assim que viveste (literalmente) até ao último dia, "dando de ti"...
Ninguém é perfeito (sabêmo-lo bem) e também terias os teus defeitos, as tuas falhas, os teus dias menos bons...mas não foram esses que mais marcaram a maioria das pessoas que se cruzaram no teu caminho!
Vamos, por certo, lembrar-te como homem de causas, solidário, trabalhador, afável, culto, afetuoso, mestre, amigo...
Vamos recordar-te como desportista do Stella Maris; a fazer canoagem por aí; a dizer poesia ou a invocá-la sempre que havia uma oportunidade; a tocar bombo no Cantar d'amigos ou a abrir o desfile de Carnaval; como dramaturgo, ator e encenador de teatro, na Universidade Sénior (e não só); como o radialista há mais tempo em antena na rádio local (e que privilégio foi fazer contigo o "Espaço Solidário" e partilhar também esse gosto comum pela rádio e pela tertúlia); a moderar encontros com escritores nas Feiras do Livro da AJP ou a apresentar os teus livros e os de alguns amigos; a tratar do burro Galileu; a discursar na Assembleia Municipal por ocasião do 25 de abril; a intervir política e socialmente sempre que a causa te era cara; a dar a cara pelas CERCI'S e pela igualdade na diferença; a acarinhar, sempre que possível, familiares, amigos, colegas...; a divertires-te, dançando ou gracejando, entre um e outro copo; a fazeres memória dos teus tempos de infância e juventude, da tua rua, dos teus pais e de tantos outros que já partiram...
Vamos sentir muito a tua falta, pessoal e coletivamente...acredita!
Como se pode ler na pagela que evoca a tua partida, "Aqueles que amamos nunca morrem...apenas partem antes de nós!"
Partiste e queremos que agora descanses em paz...até ao reencontro, vamos mitigando as saudades (que já sentimos) com as memórias felizes de tudo o que vivemos contigo!
Gosto muito de ti, Rogério! Daqui até aí, um abracinho apertado e dois beijos repenicados, como gostávamos de dar...