Saramago 1922-2010

Houve quem estranhasse a não-referência neste blogue à morte do Nobel da Literatura, José Saramago. Não me apressei a colocar nenhum post porque, de facto, não era especial fã da pessoa -como é fácil de entender por posts anteriormente escritos- e confesso que nunca li nenhuma obra dele na íntegra, pelo que –apesar do Nobel- nem poderei lamentar, pessoalmente, a perda do homem enquanto escritor. Apesar disso, reconheço a sua relevância no panorama literário português, sobretudo na projecção dos autores de língua portuguesa lá fora, pelo que publico hoje um dos seus poemas (destacando aquela que era uma das facetas menos conhecidas do escritor: a de poeta). "Na ilha por vezes habitada" foi publicado há 25 anos, na 3ª edição do livro Provavelmente alegria, editado pela Caminho:

"Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos
de morrer.

Então sabemos tudo do que foi e será.

O mundo aparece explicado definitivamente e entra

em nós uma grande serenidade, e dizem-se as

palavras que a significam.

Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a

vontade e os limites.

Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.


Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste."