segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Não sei como dizer-te que...

Para o regresso ao convívio bloguístico, escolhi mais um poema. Desta vez, Herberto Hélder no seu melhor...

"Não sei como dizer-te que minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado.
Quando, iniciado o campo, o centeio imaturo ondula
tocado pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
- eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.
Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a casa ardesse pousada na noite.
- E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
- não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.
Durante a primavera inteira aprendo os trevos,
a água sobrenatural, o leve e abstracto correr do espaço -
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega dos meus lábios,
sinto que me faltam um girassol, uma pedra, uma ave - qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor, que te procuram."

Sem comentários: